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Celestino, um balseiro que entrou para a história

Segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Última Modificação: 25/01/2017 16:39:57 | Visualizada 1990 vezes


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Celestino lembra como se fosse ontem o dia do desastre que mudou sua vida. Com uma tora de fumo de rolo na mão, ele abre um velho canivete de folha larga e cabo de osso amarelado pelos anos e fala da chuvarada de 1983, que fez o Rio Ivaí subir uns15 metros, carregar árvores das barrancas e arrastar casas de ribeirinhos. "Minha balsa estava parada porque não dava para enfrentar a fúria do rio. Depois de uma noite e um dia inteiro de chuva grossa ela foi arrastada".

 

Ele conta que, com a ajuda de várias pessoas, tentou "de todo jeito" segurar a pesada balsa, mas "ela estalou inteira, rodou para lá e para cá e o cabo de aço não aguentou". Os homens pularam fora para não serem levados juntos. Só depois que a chuva parou é que Celestino encontrou a velha balsa muitos quilômetros rio abaixo. Na mesma chuvarada foram levadas outras três balsas que trabalhavam no Ivaí, entre Itambé e Ivatuba, além de um sem-número de barcos e canoas.

 

Esta história o velho Celestino Barbosa da Silva conta a todos que o visitam na casa em que vive há quase 40 anos, na barranca do Rio Ivaí, na zona rural de Itambé (a32 quilômetrosde Maringá), principalmente no dia 7 de setembro de cada ano, quando cerca de 300 pessoas participam da festa de seu aniversário organizada pelo radialista Johnny Zanetti, de Maringá. A festa já é um evento importante na região.

 

Celestino é uma referência em Itambé e, apesar de viver fora da cidade, qualquer pessoa sabe onde ele mora. Afinal, ele está lá no rio desde que Itambé recebeu os primeiros moradores e quase todo mundo, não só de Itambé, mas também Quinta do Sol, Fênix, Barbosa Ferraz e outras cidades, dependia dele para cruzar o rio.

 

"As cidades estavam começando, mas era muito grande a quantidade de pessoas que viviam nas fazendas de café", lembra. E a balsa era o único jeito de cruzar o rio. "Caminhões de toras, café, feijão, paus-de-arara, ônibus, carros pequenos, carroças, gente a pé ou a cavalo, todos precisavam da balsa e eu não tinha hora para trabalhar. Bastava um carro chegar lá do outro lado, podia ser de madrugada, lá ia eu buscar".

 

Em uma casa de alvenaria, com fogão de lenha, carne defumando em um varal acima do fogão, bancos de madeira debaixo das árvores e uma uma Brasília velha, Celestino, que vai completar 86 anos no dia 7 do mês que vem, leva sua sua vida sossegada de beiradeiro que não precisa de muita coisa para viver bem. Sabe de tudo o que acontece no mundo, pois escuta um velho rádio o dia inteiro, até na hora de pegar no sono. "Escruto muito o Marron, o Edson Lima, o Zanetti". Além disso, muita gente vai lá jogar conversa fora e fala das coisas da cidade.

 

Onde hoje está a casa de60 metros quadradosconstruída com ajuda do governo existia uma casinha de tábuas, onde ele criou uma escadinha de filhos quase sozinho. Quando a mulher morreu, em 1976, o balseiro ficou sozinho com filhos que iam dos 2 aos 11 anos na casinha cercada pela mata e beirada pelo rio. À noite as crianças ouviam o barulho dos bichos perto de casa, principalmente depois que apagavam-se todas as lamparinas a querosene.

 

Hoje, vivendo de uma pequena aposentadoria e da ajuda dos filhos, Celestino só quer viver perto do Rio Ivaí. Afinal, sua ligação com o rio é antiga. Tão antiga quanto as cidades da região. Ele saiu do sertão de Pernambuco em um pau-de-arara ainda menino, sozinho, em 1942, quando ainda não existia cidade nesta região do Paraná. Depois de rodar por fazendas de café do Estado de São Paulo, chegou à Fazenda Porto Figueira, onde hoje é Quinta do Sol. "Vim derrubar mato no machado e no traçador". Foi ali que conheceu Luizão, o homem que conduzia a balsa que cruzava da fazenda ao outro lado do rio, onde hoje é o município de Itambé. A estrada ligava o lado sul do rio à região de Mandaguari.

 

"O Luizão me ensinou a trabalhar com a balsa porque queria ir embora, mas não queria deixar o patrão na mão". Quando Luizão partiu, Celestino deixou de ser peão para ser o novo balseiro e passou a viver na margem norte do rio, o lado de Itambé.

 

Permanência ameaçada

A tragédia de 1983 mudou a vida de Celestino. Quando sua balsa foi arrastada pela enchente, ele se apavorou: tinha uma renca de filhos e nenhuma profissão. "A sorte é que o fazendeiro me deixou continuar morando aqui", diz. Os filhos ficavam na casa enquanto ele saía procurando serviço nas roças próximas.

 

Os anos seguintes foram de dificuldades, mas piorou ainda mais quando fiscais do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) chegaram com uma notificação, dando um curto prazo para que saísse e derrubasse a casa. Segundo o instituto, a casa estava dentro da Área de Preservação Permanente. E ele viu que o caso era sério quando soube que outros moradores da beira do rio foram despejados e até presos.

 

"Eu só saio daqui dentro de um caixão", bateu o pé, na época. E de fato não saiu. O caso foi para a Justiça e o antigo balseiro ganhou o direito de continuar vivendo no pequeno espaço que resume boa parte de sua vida. "Eu não ia me acostumar viver na cidade".

 

Hoje, ao lado da companheira Rita e dos filhos Paulo e Juvelino Binga, o antigo balseiro diz ser um homem feliz, principalmente depois que constatou que o rio de sua vida não está morrendo. "Voltou a dar peixe grande depois que os fazendeiros refizeram as matas ciliares".

 

Só se preocupa quando o rio sobe, vence os15 metrosde barranco e vai dar no quintal. As cenas de 1983 não lhe saem da mente.

 

 

1941

 

Foi o ano em que foi instalada a balsa da Fazenda Porto Figueira, em uma estrada antiga que ligava a região de Fênix, Quinta do Sol e Barbosa Ferraz à região de Mandaguari e depois Maringá.

 

Fonte: http://maringa.odiario.com

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